terça-feira, 12 de abril de 2011

Magia e Hybris

Bem. Depois de ler um post em um dos fóruns de que faço parte, me coloquei a pensar sobre as questões da hybris geradas pela prática da magia. Como eu disse anteriormente, hybris é absolutamente tudo que é demasiado e desmedido. É colocarmo-nos adiante dos Deuses, como se pudéssemos ser superiores a Eles.
Vejo ocorrer a hybris com frequência entre bruxos e magos, pois muitos se acham no direito de modificar a natureza das coisas de acordo com a sua própria vontade e pior, muitas vezes sem real necessidade.
Quando praticamos a magia, estamos lidando diretamente com as leis naturais, portanto, obra Divina. E tratar dessas questões como se estivéssemos em um jogo qualquer, ou brincando de experimentos é o mesmo que praticarmos uma roleta russa em que as balas são os próprios Deuses prontos para explodir contra nossas têmporas. Pra lidar com a magia, principalmente a helênica, é preciso ter Aidos, ou seja, lidar com reverência, modéstia e acima de tudo, respeito.
Na magia helênica, a estruturação litúrgica é fundamental para o seu bom funcionamento, portanto é necessário seguir determinados passos que irão garantir a sua eficácia. A ortopraxia (ações corretas) é indispensável, tanto para evitar a hybris quanto para evitar a némesis, que é o ciúme dos Deuses, e consequentemente evitar cair em Até, a cegueira da razão. Coisa que ocorre imperativamente em bruxos desmedidos e desequilibrados. Os encantamentos têm a mesma estrutura das orações helênicas. A primeira coisa a se fazer é mostrar o seu respeito pelos Deuses, convidando-os para a participação em seu ritual. Louvando-os chamando por Seus diversos epítetos, mencionando os seus feitos, e até mesmo elogiando-os por serem representantes da maior beleza. O segundo passo é apresentar-se a Eles. Não importa que já tenha feito isso um milhão de vezes. Imaginem quantas pessoas os Deuses acodem por segundo, não custa nada lembrarmo-los de quem nós somos e de nossa relação com Eles. Fale sobre momentos em que compartilharam coisa, em que Eles se apresentaram para você e como Os reconheceu. Fale de seus feitos em Seus nomes, para que Eles tenham orgulho de você. Por fim, é momento de pedir-lhes o auxílio para o bom funcionamento do seu encanto. Esse apelo mostra o quanto você os respeita como seus pais, avós, tios. Isso demonstra a sua humildade e amor por Eles, sem precisar se curvar ou se flagelar para isso, mas sim com nobresa e Agape (amor de família, cuidado, ternura). E é claro, prestar-lhes homenagens por terem notado que você existe. Isso não quer dizer que os Deuses sejam indiferentes a nós, mas que simplesmente não farão o que você quer só por causa dos “seus lindos olhos”. Os Deuses não são mercenários, mas são sim ótimos educadores, e se você quiser “ganhar o chocolate” tem antes que “limpar o seu quarto” e “ir até a venda” para Eles.
É claro que com isso Eles não fecharão os olhos para o que você estiver disposto a fazer com o seu encanto, afinal, os deuses não são compráveis. Portanto, lembre-se de agir dentro da métron (moderação) e lembre-se de jamais prejudicar o que quer que seja e agir contra as leis naturais. Lembre-se que tudo o que temos é um presente dos Deuses para nós e, portanto, devemos estar em synesis (união e entendimento) com o Divino e a Natureza, e nunca em postura de superioridade ou imposição. Todo o que fizer, retornará para você.
Encerro com um pensamento de Aristóteles que diz: “Toda a virtude se resume em lidar de forma justa.”

ἔρρωσο!

domingo, 27 de março de 2011

Filosofando sobre feitiçaria

Χαίρε!

Dando seguimento ao post anterior, gostaria de esclarecer alguns dos meus pontos de vista com relação à prática mágico-religiosa e a feitiçaria de maneira geral.
Desde tempos imemoráveis a magia está presente nas crenças populares e nas práticas religiosas, seja para justificar uma ação divina ou um evento natural quanto para encontrar cura para males diversos, para purificações, para “ajudar” as forças divinas a manter o equilíbrio do planeta ou até mesmo para fins menos dignos, como a busca pelo poder e o domínio da vontade alheia.
O que define um ato mágico como sendo bom ou mal não é a magia em si, mas sim a forma como ela é aplicada e a índole de quem a utiliza.
Na antiga Grécia, tais práticas eram divididas em Alta e Baixa magia, conceitos que até hoje são utilizados por inúmeras escolas, muito embora com o passar do tempo e o crescimento das ordens esotéricas esses conceitos tenham sofrido algumas mudanças na interpretação de seus sentidos.
A alta magia é aquela em que o praticante não “utiliza” nenhuma divindade ou força na natureza, mas sim é assistido por eles. É um trabalho em comunhão com os Deuses, que podem ou não te ajudar de acordo com a Sua vontade. Neste ponto, os Deuses são o núcleo de qualquer ato e o sacerdote é apenas um mediador. Já no que refere-se à baixa magia, quem a pratica não busca este estado de comunhão com o divino, mas sim a manipulação dos Deuses e das forças da natureza. Esse tipo de ação gera o que os helenos chamam de ϐρις (hybris).
A ϐρις é tudo aquilo que é desmedido. É o exesso de orgulho e auto-confiança, é a insolência, a arrogância e a presunção. É acreditar-se superior aos Deuses e à Natureza, e não parte dela.
Encontramos exemplos claros de ϐρις na Odisséia de Homero quando Odisseu desafia e desrespeita Posseidon, sendo condenado a vagar pelos oceanos sem nunca encontrar o caminho de volta para casa.
Na Odisseia vemos também Circe (Κίρκη), a feiticeira, que pratica desmedidamente a baixa magia transformando homens em bestas a seu bel prazer. Em contrapartida, Odisseu é auxiliado por Hermes, que o instrui a utilizar uma erva para se defender dos encantos de Circe, o que podemos definir como Alta magia.
Práticas oraculares e divinatórias como as de Delfos, por exemplo,  também estão relacionadas à magia uma vez que para tais práticas, é necessário entrar em um estado alterado de consciência e lidar com forças ocultas.
Empédocles (μπεδοκλς – filósofo siciliano que viveu aproximadamente entre 495 e 435 AEC) dizia que havia duas forças fundamentais que mantinham o universo, o Amor, que construía tudo unindo os elementos  da natureza e o Ódio, que os separava, causando assim a morte de tudo.  Portanto, vamos nos unir, assim como se unem os elementos e vamos construir em atos de Amor!
ἔρρωσο!

sexta-feira, 25 de março de 2011

ΕΛΕΥΘΕΡΙΑ

Bem, acho que não há melhor maneira de iniciar este blog do que falando, antes de qualquer coisa, sobre alguns conceitos básicos.
O primeiro deles é ΕΛΕΥΘΕΡΙΑ, a liberdade. É muito comum se ouvir falar sobre liberdade nos dias de hoje. Liberdade religiosa, liberdade de expressão, e por aí vai. Mas para os helenos a liberdade tem uma conotação muito mais profunda do que esta falsa liberdade cheia de superficialidades e interesses egocêntricos que vemos hoje. É muito simples dizer: - Eu sou livre! - na hora de impor a sua vontade ou de lutar por um suposto direito. Mas o que não nos damos conta é que esta liberdade é recheada de amarras sócio-culturais, políticas e, no nosso país, dogmas judaico-cristãos.
Dentro da fé helênica a ΕΛΕΥΘΕΡΙΑ (eleuftheria) é simplesmente, porém não menos complexa por isso, o estado de EXISTIR, aspecto este que é inerente ao universo (Kόσμος) e à vida (βίος). Para a fé helênica a ελευθερία funciona como uma “lei natural”, e absolutamente tudo está sujeito a se submeter a esta lei e suas conseqüências quando rompida.
A máxima de Aleister Crowley que diz: “Faz o que tu queres. Há de ser o todo da lei” foi certamente inspirada no conceito da ελευθερία e expressa bem o que ela significa. No entanto, não podemos esquecer que tudo também está interligado, como em uma grande teia, e cada ação, tem uma reação. A ελευθερία, por ser uma lei natural, não é diferente de nenhuma lei da física, incluindo a da causa e efeito.
A intolerância religiosa é um mal que infelizmente é mundialmente e constantemente permeado, e é motivo para os extremistas declararem guerra.
Outro conceito importante da fé helênica é a Πολυμορφια, ou seja, a diversidade. É importante notarmos que a diversidade (polymorphia) é intrínseca ao Kόσμος, portanto está presente na Natureza e é aspecto inerente da λόγος, que segundo Heráclito, é a nossa capacidade de racionalização.
Falei de todos estes conceitos apenas para iniciar o meu blog com uma defesa rasa, porém necessária, dos apedrejamentos vindos dos extremistas ou conservadores, pois neste blog falarei sobre as minhas experiências e idiossincrasias sobre bruxaria e as práticas da mesma na Polis grega.
Bruxaria (e lá vou eu com mais um conceito), como o próprio nome sugere etimologicamente – do latim: plus = mais; scio= saber – é a Arte dos sábios, e informação nunca é demais, assim como deixa claro que um bruxo não é um feiticeiro que sai por aí lançando maldições e maus agouros, ou costurando bocas de sapo com nomes de pessoas, mas sim alguém que busca uma vida permeada pela sabedoria e enriquecida com o legado deixado por nossos ancestrais. E quando falo de ancestralidade, não me refiro somente a uma linhagem hereditária sanguínea, mas sim da ancestralidade humana, independente de etnias.
Deixo aqui o meu bem-vindo e fico na esperança de que possamos juntos ter momentos cheios de sabedoria e bênçãos dos Antigos.
ρρωσο!